Foi Alejandro Zambra quem nos mostrou a ideia de uma literatura dos filhos, mas existem os que dizem que essa é uma literatura de pós-memoria, ou que estamos falando de uma memória transgeracional. Não há uma voz uníssona sobre as epistemologias que envolvem a questão.
De todo jeito, trata-se da literatura que se preocupa em mostrar narrativas de personagens e autorias que são a segunda geração da ditadura, em especial as do Cone Sul e do Brasil, aqui no coração da América Latina. Não como testemunhas oculares, mas aqueles cujo legado, a herança estão permeados de dores causadas pelos estados de exceção no continente e também de lutas e resistências.
As obras procuram tensionar aquilo que dói para, de alguma forma, evitar que o horror se repita. Ainda que autoras chilenas despontem neste tipo de narrativa, tentei diversificar, trazendo brasileiras, argentinas e uma uruguaia.
Este post é também dedicado à Lua Gill, querida amiga e colega de doutorado que me despertou para a importância de não esquecer, de elaborar o passado e os traumas individuais e coletivos. Foi ela, lá nos idos de 2018, quem me mostrou um belo caminho a ser trilhado.
Mulheres que mordem | Beatriz Leal 🇧🇷
ed. Ímã Editorial
A
novela de Beatriz Leal traz a força do protagonismo de mulheres para o
centro da ação de um dos momentos mais perversos da nossa história. Ao
entrarmos em contato com o ponto de vista dessas quatro camadas de uma
mesma história é impossível sairmos os mesmos. Delicado, intenso e
potente, o livro nos tira o fôlego e nos mostra questões que jamais
deveriam ser escquecidas.
A dimensão desconhecida | Nona Fernadez 🇨🇱
trad. Silvia Massimini Félix. ed. Moinhos
Esse é um desejante e como eu ainda não li, segue a resenha da Moinhos:
Confrontando sua própria experiência com os relatos do torturador, a
narradora entra na vida dos personagens deste testemunho sinistro: a de
um pai que é detido em um ônibus enquanto leva seus filhos para a escola
e a de um menino que muda de nomes e de vidas até testemunhar um
massacre, entre outras.
Um, dois e já | Inês Bortagaray 🇺🇾
trad. Miguel del Castilho ed. Cosac & Naify
Uma
viagem em família até um balneário no Uruguai dos anos 80 revela
segredos, disputas e interessantes percepções das relações humanas. A
novela é a estreia da Inês Bortagaray e reúne tudo que gosto: memória,
romance de viagem, reelaboração do passado ditatorial e outras questões
instigantes. Gosto como a protagonista é construída cheia de camadas.
Lengua Madre | María Tereza Andruetto 🇦🇷
ed. Mondadori
Nossa
protagonista encontra cartas da mãe na casa da Avó e a partir daí pode
refazer a história da sua própria vida e sua relação com a falecida mãe.
Doloroso, bonito, intenso e sensível, o livro de Andruetto mostra um
exílio inteiro e a importância de uma ausência tão pesada que se
materializa. Essa não é uma história de acertos de contas, mas de
resgate do passado. Acho que ainda não tá publicado no Brasil, ma se
tiver, me avisem.
A importância de ser filho | Andrea Jeftanovic 🇨🇱
trad.
Trad Luís Reyes Gil
ed. Mundaréu
Eu
poderia falar de Cenário de Guerra, da Andrea Jeftanovic, que seria uma
exemplo muito potente da autora de como explorar a literatura dos
filhos, mas o conto de Não aceite caramelos de estranhos é tão belo, que eu resolvi colocar nesta lista.
A
importância de ser filho sublinha a orfandade (ainda que de país vivos)
dos filhos da ditadura chilena ao mesmo tempo em que mostra como essas
pessoas tiveram de crescer muito rápido sem espaço para aprenderem a
errar no processo. Mostrando o horror da ditadura, mas também os
meandros das perdas provocadas pela luta da resistência, o conto é um
relato sincero de como a geração dos filhos foi rasurada e soterrada
pelos legados da repressão.
A Casa dos coelhos | Laura Alcoba 🇦🇷
trad. Natália Bravo ed Paris de Histórias
Estranhamente
delicioso, o livro de Laura Alcoba nos mostra uma menina que precisa se
deslocar com a mãe por conta da ditadura e vai viver na
clandestinidade. Mudando de casa e dividindo a rotina com outros
personagens militantes, ela vai descobrindo o ambiente que a cerca e sua
própria identidade. Uma autoficção sobre sua própria história, Laura
nos entrega um livro bonito até que retrata não apenas a Argentina dos
anos 70, mas as fraturas que nos atravessa.
O corpo interminável | Cláudia Lage 🇧🇷
ed. Record
Esse é mais um livro belíssimo em que a busca pela mãe perdida trança traumas individuais e coletivos que nos levam pelos meandros de histórias anarquivadas. Daniel busca incessantemente informações sobre o paradeiro da mãe, uma guerrilheira desaparecida na ditadura do Brasil. Sua busca, por pertencimento e identidade, nos colocam no limite dos anos de chumbo, da necessidade de dizer e, pra mim, de uma dor e raiva muito grandes por saber que há projeto de poder muito bem assentado no país que nos quer silenciados e dormentes.
A subtração | Alia Trabucco Zerán 🇨🇱
trad. Silvia Massimini Félix. ed: Moinhos
Encerrando essa lista com chave de ouro, A subtração é de uma beleza tão
estonteante, inclusive, já tem resenha por aqui. Como não se apaixonar por um livro tão bem escrito?. Três jovens que se
conheceram na adolescência se reencontram para uma busca angustiante
pelo passado. Do Chile ao Uruguai, eles têm de lidar com as diferenças
entre si e com a realidade que os cerca. Alia Trabucco traz cortes
cinematográficos e diálogos potentes pra mostrar uma América Latina
catártica e recosturar relações entre gerações. É impressionante o que ela faz em termos de estética e de conteúdo. Esse livro é um dos meus favoritos.
E aí, curtiram o conteúdo? Conta pra mim o que não poderia ter faltado por aqui?
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