Voladoras | Mônica Ojeda 🇪🇨

A primeira resenha de 2024 do blog é sobre o último livro lido em 2023. O post de hoje é um até breve, porque depois de 1 ano, migraremos esse tipo de conteúdo, lá pra nossa newsletter do substack que vc pode já assinar aqui.

Hoje eu quero falar do Equador. No post anterior, eu disse que essa é, na literatura, a terra do terror urbano e do gótico e eu tenho percebido que a publicação dessas escritoras está despertando muitas paixões no Brasil, o que é incrível. Olhar para o Equador e para a América Latina sob a ótima dessas mulheres é muito importante.



Voladoras é um livro de contos que impressiona muitíssimo por sua qualidade e estética, mas sou obrigada a dar um aviso de gatilho porque sim, você vai encontrar muito sangue, violência, crimes e abusos. É ruim? Não, de maneira alguma, mas é desconfortante e sabendo que a escrita da Mônica é perturbadora: eu tenho certeza que ela pensou no desconforto como um elemento essencial pro seu texto.

São, portanto, 8 contos perturbadores que formam um composição densa. A escritora vai aos céus com suas mulheres insubmissas que buscam revide ao inferno ritual da morte inescapável.  E eu acho as escolas de publicação no Brasil, muito bonitas, a começar pela tradução da Silvia Massimini Félix, que é uma querida e resolveu manter o nome no original e a justificativa vc encontra nessa matéria excelente sobre o livro. 

Pensando a capa, e sem pretensões de fazer grandes análises - inclusive me lembro de uma ótima sobre isso, mas não sei onde vi -  eu gostaria de comentar sobre como ela capta não só a vibe do conto que abre e dá nome ao livro (e que é um dos meus favoritos), como traz esse clima noir que o texto da Mônica transborda. 

 

capa brasileira 

                                                             capa brasileira                                                     capa espanhola
    
 

A ilustração da artista portuguesa Susa Monteiro é simplesmente de belíssima. Flanando entre o onírico e o real, a escritora  mostra as muitas contradições da sociedade e compõe isso nos mínimos detalhes.

Voladoras, essa lenda de origem indígena, é uma poderosa metáfora para a possibilidade de revide de mulheres e diz que qualquer uma pode, de repente, se metamorfosear, e se transformar nesse ser mítico que desperta medo e desejo nos homens, atormentando seus sonhos de poder. E, bem, eu sou incendiária, então amo. 


Depois, quando chegamos na dedicatória, encontramos epígrafes que funcionam verdadeiramente como anunciação, alertas, avisos: se prepare para o que está por vir. E eu amo epígrafes assim porque demonstram esse projeto estético maior que a escritora projetou:


"de todas as pegadas/ escolha a do deserto
de todos os sonhos/ o das feras
de todas as mortes/ escolha a sua própria
que será a mais breve e acontecerá em todos os lugares
Mario Montalbetti 

Olhem assim as profundas cordilheiras   os Andes   são
buracos do horizonte
Raúl Zurita"


Dona de um gótico andino, a escritora traz violência de gênero, gordofobia, mutilação, manipulação, brutalidade, bruxaria, conjuração, para fazerem parte deste caldeirão. Aliás, a maneira como ela esmiúça uma América Andina pouco conhecida para nós, com paisagens e cores diferentes, é muito instigante. Além disso, eu gosto como a Mônica apresenta os textos no papel, ocupando todos os espaços e subvertendo a lógica de uma narrativa tradicional. Tudo ali é bem encaixado sabe? Ela pensa em tudo.

Mônica vai costurando em alguns momentos, refrões, como em Sangue coagulado; e construindo imagens poderosas, como o encaixe das pedras em O mundo de cima e o mundo debaixo que nos parecem revelar, ao mesmo tempo, um túmulo que também e altar e ritual.

Difícil escolher preferidos, mas faço os seguintes destaques: como não amar As voladoras, esse conto tão potente sobre mulheres e suas forças? Ou ficar encantada com os rumos que levam Cabeça Voadora à uma grande bruxaria e coven de mulheres em busca por reparação frente ao feminicídio e a violência?  E o que dizer de slasher e sua construção macabra desde o título que me deixou com vontade de catar a cara daquela menina na brita quente? E pra mim, Soroche é realmente um conto imenso e doloroso sobre preconceito, racismo, e a desconcertante capacidade da violência e perversidade atingirem aqueles que comumente as pessoas chamam de amigos.


Os que não cito aqui são tantas outras facetas  dessa possibilidade narrativa que desestrutura e arrasa. Saí grifando tanta coisa e precisando tomar tempo e ar, entre uma leitura e outra, porque arrebata. São textos que oscilam entre o onírico e o real para destrinchar um tipo de terror que me deixa estarrecida: o urbano, aquele que espreita as nossas casas e corpos.

Mônica Ojeda é uma escritora que desperta paixões. Alguns, amam a sua ousadia. Outros demoram pra digerir as dores que seus livros causam. Para quase todos existe o fato de que ser tão intensa e forte faz de suas leituras rios caudalosos e sombrios dos quais jamais será possível sair sem problematizar ou questionar aquilo que está à nossa volta. 

Feliz que 2023, um ano em que eu tive de remendar muitos questões no meu coração, tenha se encerrado com essa leitura avassaladora. Depois, precisei de um tempo e de um detox, mas já estou de volta como a emocionada que sou.


p.s: o timming do texto não foi combinado, pra ser sincera, já estava escrito, mas nos alcança em um momento bem difícil para nossas hermanas e hermanos do Equador.

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Sobre a escritora:

Mônica Ojeda é equatoriana de Guayaquil e vive na espanha, onde conta já ter sofrido as maiores violências por ser imigrante. Ganhou os prêmios ALBA Narrativa, Prémio Nacional Desembarco de Poesia Emergente e a menção honrosa ao Prémio de Novela Curta Miguel Donoso Casal. É formanda em Comunicação Social com menção em literatura e tem publicados no Brasil o romance Mandíbula e o livro de contos Voladoras, pela Autêntica Contemporânea e o poemário A história do Leite, pela Jabuticaba (inclusive quero ler).

 





 

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