Terra fresca da sua tumba | Giovanna Rivero 🇧🇴

Na terça eu tinha feito uma lista de 5 livros perturbadores. Não necessariamente por serem de terror, mas por tratarem de violência angustiante, com críticas necessárias e contundentes à condição feminina na América Latina. Por isso,  seguindo a perspectiva de narrativas que perturbam, a resenha de hoje é sobre uma obra maravilhosa que me tirou completamente da zona de conforto.

 

De tão aterrador é muito real. Além disso, foi um dos livros mais lindos que li no ano passado, de uma sensibilidade incrível, um lirismo potente. Terra fresca da sua tumba, de Giovanna Rivero, publicado em uma parceria entre as editoras Jandaíra e Incompleta, me impressionou muitíssimo. 

 

O livro reúne 3 coisas que têm me deixado obcecada: literatura de mulheres latino-americanas, morte e uma pegada soturna. Sim, por aqui amamos terror como forma de crítica a sociedade, especialmente quando estamos falando de violência contra mulheres.

Ao longo de apenas 6 contos, Terra Fresca da sua tumba desata nós de existências cindidas.  É um livro denso, e eu escolhi ler com calma, sem pressa, ainda que conheça pessoas que leram numa sentada, como se diz. 




A terra, do título, pode ser lida sob duas perspectivas. A primeira é a da morte. São contos que relatam muitas formas de morrer, seja física, psicológica,  emocional ou socialmente.  A terra que cobre as tumbas das personagens vez por outra deixa aparecer pedaços das existências, remendos de histórias que são muito mais do que a superfície supõe ver.

A presença pesada dos mortos, as ausências, a necessidade de lidar com dores dilacerantes, as mortes em vida e tudo que esses jogos de tensão entre sentir, anestesiar e agir provocam

A segunda perspectiva é a da terra como terra física mesmo. Os contos nos mostram mulheres que se deslocam, estão em trânsito e precisam lidar com as noções de pertencimento e desamparo e com todas as violências que vêm com as experiências.  




Roletas russas gastronômicas,  naufrágios,  reparação para estupros e violências estruturais, questionamentos aos abandonos paternos, e um belo diálogo com um dos meus contos de fadas favoritos: pele de asno.

A morte é uma serpente que te pega pelo pescoço e desestabiliza tudo. Giovanna sabe como evidenciar as nuanças que desestabilizam casas e sociedades para revelar as hipocrisias e desconstruí-las. Aqui, nenhum segredo, por mais sórdido e violento que seja, fica de pé.

Quando chove parece humano foi, de longe, o conto que mais me pegou, fiquei embasbacada com as reviravoltas narrativas, a bela composição de um protagonista que olha com cuidado e afeto para si e os que estão à sua volta. Eu fazia muito pouca ideia da imigração japonesa na Bolívia, da questão dos povos originários e da maneira como a sociedade lida com as muitas formas de existir numa América Latina que nos parece escapar entre os dedos, mas está muito mais ligada à nós do que imaginamos.




Giovanna é brilhante nesse livro. Escavando com as mãos os segredos de família, os meandros de certas situações traumáticas, entre tesouros encontrados em navios naufragados e mãos que apertam nucas como serpentes, sanidade e loucura nos levam nos limites da memória e do real.

Quanta potência, Giovanna! Terra fresca da sua tumba, quente, recém aparada, adubando o literário nos traz, vivos e mortos, contos de sangue, desejo e lágrimas. Que livro potente e encantador. Estou louca para ler 98 segundos sem sombra e Pra te comer melhor, outros livros da autora publicados no Brasil.

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Sobre a autora:


Giovanna Rivero é boliviana de Montero, escritora  e doutora em Literatura Hispano-americana Foi professora na Universidade Privada de Santa Cruz de la Sierra. Tem diversos prêmios e no Brasil, estão publicados o livro de contos Terra fresca da sua tumba (2021), o romance 98 Segundos sem sombra (2022), Pra te comer melhor (2022) e o conto Cachorras e soldadinhos, na Revista Puñado nº 3 (2018) - sim, aquela que tanto amo.




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