Eu admito que li Agosto, de Romina Paula, por conta de sua tradutora, Ellen Maria Vasconcellos. Acho as traduções dela excelentes e já pude falar disso quando escrevi uma resenha do Gosma Rosa para o Leia Mulheres. Publicado pela Editora Moinhos (amor verdadeiro) em 2021, Agosto é um livro deliciosinho.
Emília mora em Buenos Aires, mas volta à Esquel para uma temporada. Hospedando-se na casa da melhor amiga morta, Andrea. Tudo ali é memória e sugestão.
A vida que não foi: o reencontro com o namorado da adolescência, o filho que não teve, a família que não é propriamente dela, os assuntos que deixou pendente, a melhor amiga que já não está, a versão de Emília que não existe mais e que não pode ser recuperada.
Emília passa apenas uma semana na casa da melhor amiga, mas sua estada é intensa, dolorida, cheia de divagações e a cabeça dessa mulher não para de se questionar o tempo inteiro. Andrea é uma ausência tão presente que quase podemos materializá-la.
Um duplo para Emília tanto como a interrupção da existência, como uma metáfora para o próprio leitor. Isso porque a protagonista se dirige à amiga o tempo inteiro, quase como em diálogos íntimos em que conta os acontecimentos.
Na impossibilidade de resposta, cabe ao leitor ocupar o espaço de Andrea e responder a narradora, nem que seja para preencher as lacunas. E eu fazia isso o tempo todo.
Como quando eu disse: Emília, sai daí, corre para as colinas! Não entra no carro do Julian pelamor da deusa. Eu, Emi y Juli na caminhonete no deserto, na aridez que vai se transformando em vida pulsante. Nossa, quantos Julians a gente já não se deparou na vida!
O que acho mais bonito de Agosto é o lirismo. O livro não tem grandes feitos nem reviravoltas, é a vida acontecendo mesmo. E isso é tão potente. Porque torna tudo tão palpável, tão aqui e agora. Literatura que se faz no tecer dos dias, das horas.
A maneira como os desejos e frustrações da protagonista vão sendo apresentados por Romina Paula me faz pensar que eu poderia ser a amiga de Emi, isso é totalmente possível, e, na verdade, eu já fui muito a Emi na vida.
Gosto que a Romina e outras autoras deslocam as narrativas para o interior, escapando do imaginário da cosmopolita Buenos Aires e mostrando outras paisagens e cenários não tão conhecidos por leitoras estrangeiras, como eu. É assim em China Iron e os pampas, Garotas Mortas e a violência de gênero no interior, ou mesmo em Cometerra e a periferia da cidade. Agosto e as pequenas cidades áridas que aparecem no caminho entre Esquel e a capital traz olhares desconstruidos e bonitos.
No geral, tenho achado esse movimento de interiorização da literatura de mulheres latinas um ato generoso de mostrar um caleidoscópio de tramas, dialetos, culturas, ocupações espaciais e identitárias poderosas.
Romina nos entrega um livro sobre perdas, mas sobre a possibilidade de refazer a própria história, e enquanto Emi nos mostra as paisagens e as pessoas, vamos decodificando como ela mesma se sente. Agosto é um livro pra ler lento, apreciando cada dia , e se deixar levar. Que gostoso. Eu amei muito!
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