|A maternagem na escrita de mulheres latinas|

Admito tranquilamente que a maternidade nunca esteve nos meus planos em boa parte da minha vida e mesmo depois de ser mãe sigo acreditando que não é para qualquer mulher. 

A maternidade compulsória, suas pressões e violências têm nos massacrado ao longo da história. Inclusive porque o maternar, o trabalho do cuidado, é quase sempre designado às figuras femininas, sejam elas mães ou não.



Por isso, eu resolvi trazer uma listinha nada fofa de livros de autoras latinas que tratam da questão: seja pela violência contra mulheres tentantes, seja pela dor da perda e da falta de um filho desejado, pela imposição da maternidade como única possibilidade para as mulheres ou pelas tentativas de reduzi-las aos papéis de cuidado. 

O fato é que um mundo de possibilidade se abre e as autoras latinas tem pautado tais questões e me encantam os livros que o fazem sem romantização e floreios, mostrando os avessos reais desse empenho tão sedimentado na contradição e que não tem nada de destino biológico ou essencializante.


1. Lengua Madre | Maria Teresa Andruetto

 

A protagonista de Lengua Madre perdeu a mãe para a ditadura da argentina. Exilada dentro de seu próprio país, a mãe manda a filha para os cuidados da avó. Essa relação fragmentada só pode ser compreendida pela filha quando, após a morte da mãe, ela encontra uma série de cartas trocadas entre suas genitoras e pode verdadeiramente materializar não apenas essa relação, como também a mulher que a pariu. E quando o faz é compreendendo a precariedade da vida, as violências que impediram o reencontro, as violências cotidianas e refazendo as pontas de uma relação que só foi possível depois da morte. Um belíssimo livro.



2. Quarenta Dias | Maria Valéria Rezende

 

Tenho um amor muito especial por este livro. Ele é um dos que estudei no doutorado e traz uma história muito potente. Alice vive uma relação conturbada com Norinha, sua filha. Quando a menina decide que quer ter um filho e coage a mãe a se reduzir ao papel de avó, a protagonista se vê completamente desestruturada. Atendendo ao chamado de uma outra mãe, Alice se lança nas ruas e periferias de Porto Alegre em uma jornada de autogestação de si mesma. É maternidade em crise na veia. Amo!

 

 

 

 3. Entre a piscina e as gardênias | Edwige Danticat

 

Adoro trazer contos para as minhas listas porque sei que não é comum. Amo a escrita de Danticat, Clara da Luz do Mar me deixou sem fôlego. Entre a piscina e as gardênias traz uma sensibilidade tão tocante que me levou para um lugar de muito espelhamento. Publicado no número três da Revista Puñado, da Editora Incompleta, a protagonista desta história é uma mulher tentante. Seu sonho de maternidade e tudo que a possibilidade de ser mãe traria leva esta mulher ao uma situação extrema de amor e dor. Sinceridade, uma pérola.

 



4. Morra, Amor | Ariana Harwicz

Desde que foi lançado, Morra , Amor me despertou curiosidade. A trilogia, como um todo vai no ponto certo da problematização da maternidade. Espero em breve chegar a esse livro, pois a própria editora nos diz: "É impossível sair ileso de Ariana Harwicz: em um texto corajoso que explora os efeitos desestabilizadores da paixão e da sua ausência, imerso na psique de uma protagonista feminina à beira da loucura, Morra, amor tem uma prosa irreverente e um lirismo sem remorsos, constituindo uma experiência de leitura viciante".


 

 

5. Cartas para Minha Mãe - Teresa Cárdenas

 

Quando li Cartas para minha mãe, da Teresa Cárdenas, fiquei imensamente perturbada. O livro é doloroso, difícil e de uma lírica cortante. Nossa protagonista é uma menina que perdeu a mãe, foi criada pela avó em uma casa sitiada pela violência e pelo desencontro. Em cartas desejantes em que se comunica com a mãe morta, projeta futuros e pensa em como seria sair desta realidade. Desse já temos resenha na Vértebra, em que contei um pouco da minha esperiência de leitura com uma amiga muito especial mediando o processo, a Carol do Encruzilinhas. Você pode ler tudo neste link. Teresa, mulher, que potência. 



6. Linea Nigra | Jasmina Barrera

 

Este é um que eu mal posso esperar para ler. Publicado agora, em 2023, pela Editora Moinhos, Linea Nigra promete ser um arrebatamento, já que fui mãe há menos de 2 anos e tenho milhões de coisas para dizer sobre isso e pouca capacidade emocional (risos de nervoso). E foi aqui que eu pensei: preciso ler esse livro: "A gravidez muda o corpo, a mente, a vida de uma mulher por completo. A mulher passa a ser mãe. O corpo, por um momento ou para sempre, deixa de ser só seu, e Barrera não deixa nenhum detalhe passar despercebido. Linea nigra são insights, memórias, manifesto transportados da marca na barriga às páginas deste livro".

 


7. Casas Vazias | Brenda Navarro

Casas Vazias traz muitos olhares sobre a maternidade em suas nuanças e camadas e não deixa nada de pé, se o que você quer é tranquilidade. Por aqui há muita intensidade. Um livro poderoso, que em sua proposta instigante não procura maniqueísmos, não existe a mocinha ou a vilã, mas mulheres tentando pautar a maternidade e tendo existir. E esse detalhamento da editora me ganhou mesmo: "Uma criança desaparece em plena luz do dia. De um lado desse vazio brutal, o instante de desatenção de uma mulher que nunca quis ser mãe. Do outro, uma mulher que deseja ser mãe a ponto de cometer um ato desesperado. Entre esses dois pontos de vista, acompanhamos uma narrativa que ecoa as diversas formas de maternidade, das impostas às almejadas, do seu papel social à sua natureza primordial, em uma trama visceral e inquietante".




8. A Cachorra | Pilar Quintana


Ser uma tentante não é nada fácil, e acho que é justamente por já ter estado neste lugar que a A Cachorra, da Pilar Quintana tenha me pegado tanto. É um livro sensível, duro, difícil e que te dá um soco no estômago. Com ele, duplos, avessos e mulheres fraturadas pela maternidade compulsória emergem do texto. Uma beleza, às vezes, cruel. Em março, publiquei uma resenha dele que você confere aqui




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