Imagina que o marido da sua tia resolveu ir morar lá no alto, no Outdoor da Coca-cola e esse ato, aparentemente simples, colocaria toda a vila em profunda tensão. É esse o mote inicial de O homem do Outdoor.
Ele realmente não imaginava a grande revolução que faria em sua comunidade. Leve, sutil e potente, sensível, belo, instigante, O homem do Outdoor é desses livros com muitas muitas camadas e que mostra como as relações humanas são frágeis, porosas.
María José Ferrada é, sem sombra de dúvidas, umas das minhas autoras favoritas. Amo sua perspicácia e sensibilidade. Se eu já tinha me apaixonado por Kramp, que tem resenha por aqui, agora me deixei encantar por esse romance que tem tantos tantos desdobramentos.
Narrado pela perspectiva de Miguel, um menino de em torno de 10 anos, sobrinho de Paulina, que por sua vez é a companheira de Ramón, vemos os dramas dessa comunidade. Vivendo às margens do canal, essas pessoas precisam lidar com uma série de precarizações, mas que funcionam bem para a dinâmica da vila.
Ao desafiar a organização do lugar, Ramón expõe uma série de questões: o capitalismo predatório que aniquila as pessoas, a noção de autoridade e propriedade privada; a necessidade de atender aos padrões; a vida nas ruas e a falta de acesso ao acesso ao básico; quem é elevado ao status de sujeito e que não é visto como gente.
Ao mesmo tempo em que mostra as problematizações que vêm a partir da decisão de Ramón, Miguel também nos revela seus próprios traumas individuais, como a péssima relação com a mãe, a sensação de viver em uma casa cerceada, a percepção de que não se encaixa junto às outras crianças.
Não existem mocinhos e vilões em O homem do Outdoor, apenas pessoas múltiplas, que buscam existir com todas as suas contradições. Aqui, a questão da classe vem muito forte para mostrar um livro curto, potente e belíssimo que nos faz refletir sobre as fraturas do nosso tempo.
Até onde somos capazes de ir para buscar nossa própria liberdade? E porque ela incomoda tanto os outros se não agride a ninguém? E aí, você também tacaria fogo em tudo?
María José Ferrada mostra, mais uma vez, seu brilhantismo.
O livro saiu pela Moinhos e a tradução foi da querida Silvia Massimini Félix.
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Sobre a autora:
María José Ferrada é chilena, escritora e jornalista. Fez mestrado em estudos da Ásia e Pacífico no Universidade de Barcelona (um sonho!). No Brasil, tem publicados Kramp y O homem do outdoor, ambos pela incrível Editora Moinhos
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