Em Linea Nigra, lançado pela Editora Moinhos, a Jazmina Barrera nos conta um pouco sobre o seu processo de gravidez e também a respeito do início da vida de seu filho Silvester, mas o que mais me comove nesse livro é o quanto ele dialoga com o meu processo de maternar: real, intenso, flanando entre o amor profundo e uma dor intensa.
Então eu entendi, lendo o livro, que se tratava não de um compilado de notas e excertos como vi algumas pessoas dizendo com muito amor, sem críticas. O que temos aqui é uma Bitácura, e para falar de Linea Nigra eu preciso dizer o que eu entendo ser uma Bitácura.
Um tempo atrás, o meu marido veio com essa história, de fazer um diário de bordo. Pegar um livro que já existia (no caso dele de frutas medicinais) e fazer interferências artísticas em cima dele, compondo novas obras a partir dessa experiência. Não é um sampler. É Subversão. Ressignificação. Colagem. Coragem.
O nome desse processo é bitácora, mas por algum motivo que só o universo pode explicar, ele chamou de bitácura, porque estava intimamente ligado à ideia de cura pela arte de um momento muito especial da vida dele.
E o que eu acho que Jazmina faz aqui é uma bitácura. Ela pega a maternidade e constrói em cima dela. Um novo livro, uma nova experiência, uma nova forma de mostrar ao mundo o que é esse processo de maternar e talvez assim cure algumas dores nela e em mim.
Juntas partilhamos o doutorado em andamento atravessado pela gravidez, o medo do parto, as dificuldades de amamentar, as dúvidas e angústias, as incertezas, as ansiedades e os olhares apaixonados a cada descoberta de nossos filhos.
Jazmina enfrentou terremotos. Eu não. A mãe de Jazmina descobriu um câncer. No meu caso, foi meu pai quem morreu. Jazmina sofreu violência obstétrica. Eu fui acolhida no parto normal humanizado mais lindo do mundo. Ela leu inúmeros livros. Eu dormi por nove meses e fiquei desesperada em não saber mais quem eu era no mundo.
E assim, recolhendo as referências todas de música, literatura,
pintura, e retalhos da vida, ela compôs sua bitácura de afetos. E me instigou a compreender a minha.
E como é generosa uma pessoa que se dispõe a mostrar aquilo que produziu em momentos de tamanha fragilidade para outras pessoas. Compartilhando o que de mais íntimo e complexo pode haver.
Linea Nigra, essa linha que o corpo da maioria das mulheres produz ao engravidar, mas que eu não produzi, nos conduz para vários tipos de tecidos textuais: o que se materializa no livro, o que se concretiza na realidade, o que mescla os dois e aquele que só é possível por meio da leitura e de uma troca singular, única e intransferível entre a escritora e quem a lê. Ou seja, possibilidades infinitas de tecer essa trança.
Belo, intenso, corajoso, o livro de Jazmina é mais do que um livro é um diário de bordo, um desejo de chegada em constante partida, uma construção, um processo que não termina e nem tem que terminar. Sem dúvidas é um dos livros mais bonitos que já li. E junto de Casas Vazias, de Brenda Navarro, uma consciência pulsante daquilo que me constitui como mãe em constante vida cambiante.
Quanta generosidade, Jazmina! Que livro incrível. Sinceramente, todo mundo precisa te ler. E que Silvester, assim como o Tito, siga conservando o sal do seu sorriso acalentado pelas mãos fortes, atentas e amáveis da mãe que tem.
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