Recentemente, li quatro livros de autoras Chilenas que tratam da ditadura de alguma forma: Kramp (que já tem resenha por aqui), de Maria José Ferrada; Space Invaders (vem resenha por aÃ), de Nona Fernandez; A Subtração, de Alia Trabucco Zerán, e Cenário de Guerra, de Andrea Jeftanovic. Impressionante a potência de todas as narrativas e como cada uma modula uma dicção diferente para suas personagens, tramas e possibilidades de dar conta do trauma e não deixar que o horror se repita.
No entanto, elas se assemelham por esse desejo de memória que, segundo Beatriz Sarlo, tem que passar pela elaboração dos perÃodos de autoritarismo na América Latina se quisermos avançar nos debates sociais. E também por colocarem na boca de personagens muito jovens a narrativa.
Se em Kramp m. está em trânsito com d. e a ditadura aparece por meio de sua mãe e do amigo fotógrafo do pai que é assassino; em Space Invaders o vozerio dos personagens está intimamente ligado com a repressão e a forma como lidam com a sobrevivência; em A Subtração vamos em uma road trip com Paloma, Felipe e Iquela em busca de uma mãe perdida; em Cenário de Guerra, Tamara precisa sobreviver à uma vida de perdas, ausências e muita solidão.
Publicado em 2021 pela Editora Mundaréu no selo !NOSOTROS!, Cenário de Guerra, de Andrea Jeftanovic traz uma protagonista que cresce na ditadura de Pinochet e nós acompanhamos ela até um perÃodo de sua vida adulta. Eu adoro livros assim, de verdade.
Tentando existir em uma famÃlia completamente disfuncional, fragmentada, assim como o paÃs, Tâmara nos enche os olhos de lágrimas. E é na ruÃna da casa, das casas, constantemente abandonada por seus pais, apartada do irmãos e abusada pelos homens que a cercam que ela precisa sobreviver.
Porque é exatamente isso que a Tamara é: uma sobrevivente. E eu te juro que se pudesse pegava ela, colocava no colo e faria carinho em seus cabelos e diria menina, tudo vai ficar bem, mesmo que talvez não ficasse.
O duro é que Tamara é a representação de muitas mulheres cujas fendas são verdadeiros abismos. E isso, além de me dilacerar, agiganta a narrativa de forma potente. SensÃvel e tocante, Andrea não economiza para o leitor: expõe as dores, abre as cartas na mesa e mostra a crueza humana.
É dilacerante ver Tamara sendo usada pelo rapaz da financeira, descartada pelo pai, subalternizada pela mãe, mas é especialmente bonito ver que ela escapa, mesmo diante de todo o vivido, pelas brechas que lhe são dadas.
Cenário de Guerra acena para o desejo da protagonista em encenar a própria vida. Em atos, monólogos e diálogos que retrata uma peça de teatro em que muitas vezes Tamara esta completamente sozinha, mesmo na presença dos outros. Gritando para ser ouvida, mas encontrando a afonia e a surdez dos que estão à sua volta.
Um livro intenso, belo, cuja leitura me deixou profundamente emocionada. Tão emocionada, que ele saiu todo rabiscado sim, porque não acho que seja necessário economizar lápis quando a obra nos instiga tanto. Carreguei Cenário de Guerra pra tudo que é canto e ele mesmo sobreviveu aos meus devaneios de leitora atenta.
Andrea, obrigada por tanta generosidade em contar essa história. É realmente importantÃssimo conhecer os traumas de guerra, de sobreviventes da ditadura. Não apenas aqueles que sobreviveram à luta armada, mas aqueles que sobreviveram à luta diária de existir num contexto perturbador de morte. Que livro bonito. Agora, já estou doida para ler Não aceite caramelos de estranhos.
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Sobre a autora:
Andrea Jeftanovic é chilena de Santiago. Socióloga e PHD em Literatura, é uma autora e voz potente na literatura latino-americana, sendo questionadora das questões polÃticas do Chile e do resto do continente. Tem publicados no Brasil Cenário de Guerra e Não aceite Caramelos de Estranhos, todos pela Mundaréu, e também um dos contos de Não Aceite Caramelos de Estranhos e uma entrevista belÃssima publicados na Puñado número 3, que eu amo, da Editora Incompleta.
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Foto do site da Mundaréu |
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