Gótico Mexicano | Silvia Moreno-Garcia 🇲🇽

Casa mal-assombrada? Temos! Segredos de família nos escombros da casa? Temos! Espírito? Temos! Fungos pretos, bolotas e cogumelos alucinógenos? Sim! Crítica à colonialidade, misoginia e racismo? Temos! Gótico Mexicano é a mistura perfeita pro caldeirão da bruxa apaixonada por terror e desconstrução. 💜

O gótico é um tipo de literatura bem comum na Europa, mas foi reinventado, modificado e ganhou outros ares por aqui, ao sul global, na latinoamerica. Particularmente, não sou fã do termo realismo mágico, ainda que eu ache que sim, nosso continente faz histórias insólitas e de terror incríveis.

Esse livro da Silvia Moreno-Garcia, que saiu pela Darkside, é um livro young-adult delicinha para ler se divertindo e desopilar o fígado. Eu acho esse tipo de literatura muito colo e aconchego.


A história narra um pequeno período de tempo na vida de Noemi Taboada, nossa heroína destemina, jovem, articulada, rica e não branca. A escolha de pensar ela assim é acertada de muitas formas.

Noemí é uma mulher à frente do seu tempo. Ainda que viva nos anos 50, ela rejeita a maior parte dos estereótipos que lhe são impostos: não pensa em casar, quer fazer faculdade de filosofia e jamais, nunca, nunquinha deixará um homem ditar as regras de sua vida.

Silvia acerta muito nas escolhas sabe. E isso é bonito. A trama começa quando Noemí recebe uma carta da prima Catalina, que se casara há pouco tempo com um rapaz de família inglesa tradicional e foi morar no interior, pedindo que vá ao seu encontro.

Só que quando ela chega lá, nada é o que parece. A casa, e seus moradores, parecem ter parado no tempo. Retrógrados,  machistas, perversos, racistas e eugenistas, a família do marido de Catalina é o puro suco da colonialidade. Terrivelmente real.


E uma vez ali, sonho e realidade se misturam. Borrando as fronteiras do insólito, Noemí tem uma missão: resgatar Catalina. Nesse processo ela vai descobrindo as origens de toda aquela violência, encontrando nos meandros do trauma ginealógico histórias perturbadoras.

As mulheres desse livro são incríveis. Resistem como podem, abusam da desconstrução, rasuram as tradições e debocham da cara do perigo.  Claro que fazem como podem dado o momento m que vivem. Noemí, Agnes, Ruth, Catalina e uma que a gente só tem a real dimensão no final do livro são pura potência.

E é bacana como a Silvia cria tudo isso de um jeito muito verossímil.  Até mesmo Catalina, que se deixara envolver por histórias de princesas irreais, se mostra uma mulher interessante, plural.

O livro ainda encontra espaço para a bruxaria. Sim, temos uma bruxa no livro porque eu não cheguei nele à toa e, ainda que ela não tenha tanto destaque, gostei de vê-la ali, de alguma forma guiando essas mulheres. 


Os homens, mesmo quando não são perversos, por que existem uns dois ali que não são completamente babacas, são frágeis, e apesar de tentarem ajudar Noemí, no fim das contas, funcionam mesmo como formas de fazê-la brilhar ainda mais. Porque ela não precisa deles, sabe salvar a si e à prima sozinha.

E a construção de Noemí é muito bonita. Em um país em que metade da população se considera mestiça e oriunda de povos originários,  como o México. nada mais justo que sua protagonista também o seja. Esnobando o sangue europeu, Noemí sabe muito bem criticar a colonialidade, perceber os abusos e se colocar contra eles.

Silvia inclusive dedica noemí à sua avó e eu achei incrível que ela renda esse tributo importante. Porque essas mulheres construíram realidades por toda a América Latina com muito sangue e suor, e lágrimas. Eu queria ver mais dessa crítica aos processos predatórios de colonização e escravidão, mas acho que já se faz muito dadas as limitações da época em que a história se passa.

Mesmo assim, é belíssimo como Silvia constrói críticas muito profundas ao racismo e à misoginia de um jeito leve, fluido, palpável, envolvente e que nos faz torcer tanto pelas histórias. Aliás, "Noemí, sai daí!", foi a frase que eu mais falei enquanto lia.


A minha unica crítica é à revisão e em alguns pontos, duvidei tb da tradução, no entanto, nada que atrapalhe o livro bonito, bem escrito, com o final arrebatador (pra mim o final acaba algumas páginas antes de maneira apoteótica e nem precisava de mais) que me deixou muito curiosa por ler outras obras da autora. Eu fiquei simplesmente apaixonada. Uma leitura que vale muito a pena!

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sobre a autora:



Silvia Moreno-Garcia é mexicana e mora no Canadá. Tem mestrado em Ciência e Tecnologia pela Universidade da Colúmbia Britânica e editora na Innsmouth Free Press. É colunista para o Washington Post e faz críticas literárias para a National Public Radio (npr). No Brasil, tem publicados os livros Gótico Mexicano (Darkside), A filha do Dr. Monroe (Melhoramentos) e Primeiro Meridian (no prelo pela editora Corvus)

 

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