O presidente e o sapo | Carolina de Robertis

Ainda dá tempo de escolher um livro pra ler nesse feriado. Minha dica é O presidente e o sapo, da uruguaia Carolina De Robertis,  traduzido por Davi Boaventura.

A dublinense é dessas editoras queridinhas do coração e que me promovem encontros incríveis por meio da literatura. 


Nesse livro, a autora ficcionaliza momentos importantes na vida de Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e importante militante contra a ditadura naquele país, que viveu anos de chumbo perversos. 

Então acompanhamos a história em três mechas do tempo. A primeira é no encontro entre o presidente e uma jornalista, que vai entrevistá-lo. A segunda são as memórias que surgem desse encontro sensível entre os dois. O presidente diz a ela que vai contar uma história inédita por reconhecer nela uma escuta atenta para além de estereótipos, mas não achei muito evidente essa conexão. 

A terceira é apenas uma sugestão do porvir, e aqui sou eu mesma dizendo que a completude no leitor desse encontro sinaliza possibilidades de que o mal não se repita. O livro não se pretende um manual de instruções de como agir, mas sinceramente eu acho que depois de todas as agruras que esse homem ficcional e real viveu, fica difícil não pensar que a literatura cumpre aqui um papel de alerta e em defesa da democracia.


Carolina constrói a narrativa nesse jogo do eu (Pepe) e o outro (jornalista, o sapo e o leitor). Aliás, as marcações de que se trata de Mujica não estão completamente evidentes no texto, mas podem ser captadas por pistas que ela vai dando ao longo da jornada, como dados biográficos e um posfácio recheado de boas dicas de referências.

Acompanhamos, portanto, um pedaço dos 14 anos em que ele, enquanto membro do Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros, ficou preso, especialmente  a maior parte do tempo em solitária. Loucura e lucidez, razão e sugestão guiam nosso protagonista pelos meandros de um trauma coletivo latino-americano que nos é apresentado por uma perspectiva bastante original.

Ainda que a Carolina não percorra completamente os acontecimentos cronológicos, o livro é divertido, bem construído, de linguagem fluida (mesmo nos momentos de tensão) e emblemático ao trazer a ditadura para o centro do debate, mas também a capacidade de sobrevivência à revelia dela.

O sapo chega num momento de profunda solidão, dor e precarização, como vocês podem imaginar. Particularmente, as interações entre Pepe e o sapo foram os momentos mais interessantes do livro para mim. Para além de questionar a veracidade dos fatos (coisa que não fiz), esse interlocutor improvável me trouxe um misto de dor e alento por saber que a história ali encontra uma possibilidade de existência e do tal devir que eu disse no início. 


É bonito como o sapo, sem pretensões, faz a ponte com a humanidade de Pepe, devolve cor a uma realidade tão complexa. O sapo, sincero, sarcástico e debochado, pode ser a metáfora para a própria consciência que se reapropria da existência como forma de seguir lutando ou o encontro com o leitor num desejo de memória para não deixar esquecer o vivido.

De toda forma, é um livro que vai crescendo em representação, empatia e afeto. Saber que Pepe sobreviveu, foi um dos maiores estadistas de seu país e que em sua grandeza soube também mobilizar a América Latina é encantador.

Depois de escrita essa resenha, acabei encontrando um vídeo lindo da B de Barbárie sobre o tema e vi que concordamos em muitas coisas. Ela, mulher inteligente que é, e mais sabida do que eu, faz um pontuação importante sobre a romantização do comunismo e de como isso se afasta das realidades materiais e filosóficas. Achei bonito até.

 O cone sul foi palco de estados de exceção e até hoje vive os efeitos nefastos desses crimes e projetos políticos de controle social coercitivo. O presidente e o sapo é um livro gostoso que certamente ficará no meu imaginário como uma leitura sensível sobre tudo isso e um alerta para que saibamos que o mal não pode se repetir.

No mais, quero que Carolina seja mais publicada no Brasil. Já deixo aqui meu clamor por ver As cantoras em prateleiras brasileñas (até onde seu ainda não foi publicado).

sobre a autora (extraído da editora dublinense):

Carolina é uruguaia nascida nos Estados Unidos. Seu trabalho já foi traduzido para dezessete idiomas, e ela recebeu uma bolsa da National Endowment for the Arts, além de várias outras honrarias. Atua como tradutora de literatura latino-americana e é professora na San Francisco State University. Tem publicado no Brasil o livro O presidente e o sapo.


#literaturademulheres #leiamulhereslatinas #escritoraslatinas #literatura latino-americana  #escritorasuruguaias #literaturauruguaia #identidadedefronteira #carolinaderobertis #opresidenteeosapo #dublinense




Comentários