Reclamar o Direito de dizer tudo, da Julieta Marchant, me comove não só pelo poético, mas pelo jeito como a autora pensou o projeto estético do livro.
Estamos certamente diante de um fruto estranho, uma obra híbrida, um poema longuíssimo que mistura poesia e prosa e que escorre facilmente das mãos quando tentamos alcançar.
Publicado em 2021 pela Editora Moinhos e traduzido pela minha querida amiga Ellen Maria Vasconcellos, a ideia de ser um fruto estranho não é privilégio desta obra, mas uma possibilidade contemporânea que me desperta palpitações.
O livro fala de memória corporal, de ausências que se presentificam de maneira tão potente que quase podemos pegá-las no ar por meio do entrelaçamento entre prosa e poeisa, borrando os limites, como me parece que deve ser o momento em que vivemos.
A língua como fratura e que não dá conta de tudo, mas tenta elaborar; o nome que precisa ser dito para corporificar as existências; a voz daqueles que não estão mais, mas se incrustam nos nos corpos de seus herdeiros e legados; a dor, a falta e a necessidade de dizer pela palavra poética aquilo que talvez nem possa ser dito porque insuficientes são as ferramentas para fazer isso.
Chilena, Julieta Marchant está em rota de colisão com o silêncio, tentado rompê-lo para que do texto emerja essa legião de mortos que mesmo depois da morte devem ser nomeados, trazendo consigo verdades e genealogias.
Posso estar bastante enganada, mas quando ela diz "acumular corpos cobertos com pedras" me parece evocar a ditadura, as mordaças, as tentativas constantes de esconder essas pessoas e de negar a elas o direito de existir mesmo depois da morte. Recuperar esses corpos e existências por meio da literatura e da poesia é de uma grandiosidade tremenda.
O livro todo tem um tom lúgubre, justamente para que reclamar o direito de dizer tudo seja a construção de metáforas que rompam com os silêncios dos extermínios, das memórias oficiais, dos apagamentos propositais de maneira irrevogável e sem volta. Justamente para que essas pessoas, arrancadas brutalmente da vida sejam de alguma forma honradas.
O livro é tão belo, tão poderoso, que mesmo depois de 3 leituras eu ainda tenho muito por descobrir. Sinceramente, demorei bastante pra sair de lá, porque foi uma leitura que tocou no centro do coração do poema, ou melhor, no centro nevrálgico da minha necessidade de poesia.
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Sobre a autora:
Julienta Marchant é chilena de Santiago. Escritora, filósofa e editora, gerencia os selos Cuadro de Tiza Ediciones y Editorial Bisturí. Tem vários livros publicados, mas Reclamar o direito de dizer tudo é seu primeiro a sai no Brasil.
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