Eu deveria estar exausta de falar deste livro, mas não estou. Porque nem 5 anos de doutorado me tiraram a admiração por Quarenta dias, de Maria Valéria Rezende e eu preciso te dizer o porquê.
Alice mora na Paraíba, mas sua filha decidiu que ela deve ir viver em Porto Alegre. É que norinha, a filha, quer ser mãe, mas só fará isso se Alice se reduzir à condição de avó. À revelia, coagida, a protagonista se muda, mas ao chegar na nova cidade descobre que a filha mudou de planos e está de partida para a Europa.
Sozinha, desterrada, despertencida, coagida e se sentindo agredida, a narradora, que nunca teve a intenção de ser avó, recebe uma ligação de outra mãe, Socorro, cujo filho deixou de mandar notícias desde que se mudou para a capital gaúcha.
Sem pensar duas vezes, Alice se lança no desconhecido em busca do filho desaparecido da outra. Ao abandonar a casa montada pela filha num bairro elitista e xenofóbico, vai viver nas ruas das periferias de Porto Alegre e rechaça as estruturas que a massacram.
Em constante trânsito, é vivendo sem ter casa que ela começa a gestar a si mesma. 40 dias no deserto, 40 dias refazendo a sua história, e encontrando pelo caminho mulheres, crianças, pessoas em situação de rua que a ajudam a compreender sua própria condição.
Em busca do coelho branco, Cícero Araújo, Alice vai tecendo e faz saltar do texto temáticas como maternidade compulsória; tensões entre gerações, a misoginia e o patriarcado, que colocam mulheres umas contra as outras; o questionamento da ideia de que uma mulher na adultez não teria vida própria a não ser servir às mais jovens. Entrelaçando memória, rastro, identidade e profundas criticas sociais, a protagonista recolhe vestígios da cidade e das pessoas que perigam se perder, tal qual uma huesera.
Vencedor do Jabuti de 2015, o livro é de uma beleza desconcertante e nos mostra que Alice, assim como sua xará no país das maravilhas, cai nos avessos da cidade sozinha, mas só emerge pelas mãos de outras mulheres, como Lola, à superfície da vida.
É uma leitura poderosa. aproveitem.
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sobre a autora
Maria Valéria Rezende é brasileira de santos radicada na paraíba. Freira, escritora, professora na educação popular, atuante na resistência à ditadura militar, já venceu inúmeros prêmios, como o Jabuti e o Casa de Las Américas. Maria Valéria começa a publicar mais velha e deixa à mostra a potência de suas palavras.
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