Noite em Caracas, de Karina Borgo, lançado pela Intrínseca em 2019, foi uma porrada na minha cara em 2022. Me supreendeu demais, que livro bom, denso, noir, intenso, e muitas vezes desesperador. Não tinha expectativas, mas foi tão boa a leitura que eu fiquei fã.
Adelaida Falcón vive num cenário de guerra e se quiser sobreviver precisa se movimentar. O perigo espreita em cada esquina, vigiada de morte, numa Caracas espoliada, coagida pela violência e pelo medo. Acompanhar Adelaida é pular sem paraquedas em uma leitura que me deixou por vezes angustiada e tonta, mulher, sai daí pelamor da deusa!
É
um livro sobre perdas: perder a mãe, perder a casa, a cidade, perder a
si e precisar traçar novas rotas não apenas de fuga, mas de existência.
Enquanto o mundo desmorona, reescrever a própria história é um desafio
vertiginoso. O deslocamento é desconcertante, porque viver numa cidade
sitiada é morrer a cada momento. Então, estamos o tempo todo alertas ao
olhar para essa narrativa. Tudo pode acontecer a qualquer momento. Esse
estado de tensão constante dá à narrativa um tom acelerado, que te
captura de cara.
Adelaida
precisa fazer muitas escolhas e escolher pressupõe renunciar alguma
coisa e ela tem que fazer isso o tempo todo. Me senti muito dentro da
história, colada na protagonista sussurrando em seu ouvido algumas
coisas, nem sempre ela me escutou e que bom. A força e a necessidade de
sobreviver foram muito interessantes.
Particularmente,
gosto mais do título em português. Me transmite mais a tensão. O título
original dá spoiler e não tem toda a complexidade (olha eu criticando a
Karina sim). Parabéns pra tradução. 💜 E justamente por ser muito entreguista, não colocarei aqui, corre pra procurar, acho que você vai concordar comigo, mas se estiver na dúvida agora, espera terminar a leitura pra não antecipar nada.
A jornada de Adelaida ao
mesmo tempo em que a empurra cada vez mais pra fora de sua realidade, de Caracas, e dos seus próprios limites, nos leva pra dentro de sua história, pro interior do país e da
construção de quem ela e sua mãe foram até a encontrarmos no velório. A família, os segredos, os julgamentos, as camadas vão sendo reveladas.
Karina
Borgo produz uma narrativa extremamente crítica que expõe os meandros
do capitalismo, do micropoder, das disputas que fazem com que a fome e o
medo ditem as regras da sociedade. É um livro poderoso, carregado de significados. Percorrendo as estruturas desiguais e como os esquemas dessas estruturas moem as pessoas.
Acho bacana como Karina
constrói sua protagonista. Existe cuidado para ir puxando os fios de uma
trama complexa, que começa com o luto e vai tecendo tantas
problemáticas que periga sufocarmos junto com Adelaida. Adelainda é uma mulher que precisa se reinventar, como eu disse, então acaba se questionando, enquanto identidade e pertence. Que mulher interessante, verossímil, de fácil identificação.
Numa terra comandada por homens e pela violência, Noite em Caracas mostra que somos nós que precisamos nos reerguer para seguir vivendo e ninguém melhor do que uma mulher para entender de sobreviver.
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Sobre a autora:
Karina Borgo é venezuelana de Caracas, mas está radicada em Madri. É escritora e jornalista de cultura do jornal Vozpopuli. Te, publicado no Brasil Noite em Caracas, que é seu livro de estreia.
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