Sonarán en el jardín | Gabriela Miravete 🇲🇽

Um dos primeiros textos de ficção que li em espanhol foi Sonarán en el Jardín, conto de Gabriela Miravete. E já falei dele algumas vezes, mas sempre acho bonito recordar.

Recentemente, fui convidada pela Tarsilla Couto e o Flavio Camargo, professores da UFG e queridos amigos, para publicar um texto no livro
Gênero, raça e classe na literatura contemporânea da América Latina, publicado pelo CEGRAF UFG e agora já posso contar um pouco mais porque o livro saiu, ele é lindo e eu estou muito orgulhosa de tudo que tem ali.

Estou finalizando meu doutorado na Unicamp (ufa, defendo dia 8/2) e escolhi falar da Gabi hoje porque é meu desejo me enveredar cada vez mais pela literatura escrita por mulheres da América Latina, como vocês podem ver aqui na Vértebra e muito começou também aqui. Existem muitos desejos de ocupação mundial.

 


 

Soñarán en el jardín, publicado em português, pela Revista Mafagafo, da Janaína Bianchi, com tradução de Ana Rüsche, é um conto que trata de uma utopia feminista e orgânica num futuro não muito distante. De utopias feministas eu já tinha lido algumas, como o País das Mulheres (que tem resenha programada aqui), da nicaraguense Gioconda Belli, e A rainha do Ignoto (do qual também tenho muita vontade de falar por essas bandas), da brasileira Emília Freitas, mas nada se assemelha ao que Gabi faz aqui.

Num jardim de memórias, a guardiã do Jardim Oeste está prestes a receber um grupo de estudantes, alunos pequenos, que vão conhecer o jardim e interagir com os hologramas de meninas mortas em virtude da violência de gênero no México.

O texto dá conta de muitas dialéticas, como passado e presente, menina morta e menino vivo, anciã e professor assistente, lembrança e esquecimento, para compor uma narrativa pulsante, lírica e altamente regozijante. A narrativa não é nada vitimista e determinista, mas cuidadosa e rende tributo à luta de mulheres na América Latina.

Enquanto somos apresentados a esta tarde ao Tomasito e seus amigos, conhecemos a história de Marisela, a guardiã, suas amigas e a luta que operaram para que a realidade mudasse minimamente para as mulheres.

A condição feminina e as violências que acometem mulheres estão presentes sim, mas também estão presentes a potência de mulheres quando se unem, o desejo de construir um futuro longe do feminicídio e dos estupros, a necessidade de permanência e de não deixar esquecer o horror.

Gabriela traz para o texto nomes importantes de mulheres e militantes que foram assassinadas, como Rubí Marisol e Marisela Escobedo, não para espetacularizar suas vidas, mas para colocar a literatura nesse lugar poderoso de cripta de papel, que honra aquelas que vieram antes e compõe desconstruções e novas perspectivas.

 


No artigo intitulado Sonharão no jardim e a memória contracanônica de mulheres na América Latina,  eu falo de memória, de resistência e de permanência, da necessidade em não apagar essas mulheres do arquivamento tradicional. De olhar para o horror e não permitir que ele se repita. Falo também do tempo difuso, do desejo de reparação e da necessidade de que o futuro se construa todos os dias para que paremos de morrer. E da importância de coletivos de mulheres, que, nos quatro cantos da América Latina se insurgem para fazer resistência ao horror. Ainda me resta o desejo de falar de coletivas de mulheres na América Latina, como é o caso das Argüenderas do conto.

Que delícia de ler Sonharão no jardim e ver que sim, existe uma possibilidade imensa de existir individual e coletivamente para longe das violências. Que importante podermos acessar um texto tão poderoso em português. Apenas façam mais porque ler Gabriela Miravete é um alento para o coração. Quero ver mais autoras mexicanas traduzidas para o Brasil.

Que seja o córtex de outros tempos, a espinha dorsal de ressiginificações de toda ordem em que o feminismo latino-americano responde e esfrega na cara dos covardes a complexidade e riqueza de nossas histórias

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Sobre a autora (extraído da revista Mafagafo)




Gabriela Damián Miravete é mexicana da Cidade do México. É cofundadora do coletivo de arte e ciência Cúmulo de Tesla, do Encuentro de Escritoras y Cuidados e da Mexicona, festival de literatura especulativa. Suas histórias foram publicadas em antologias finalistas do World Fantasy Award e do prêmio Hugo. É parte do programa internacional de escrita Under the Volcano e da FutureCon. Foi ganhadora do prêmio James Tiptree, Jr. (atualmente, prêmio Otherswise) por “Sonharão no jadim”. Gabriela crê que as palavras e as histórias têm um efeito palpável nas consciências — e, como consequência, na realidade que habitamos.

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