Eu, Tituba, a bruxa negra de Salém | Maryse Condé 🇬🇵


Com o lançamento de O coração que chora e que ri, da Maryse Condé, com posfácio da minha amora Carol Casati,
do encruzilinhas, que chegou chegando e abalando tudo, resolvi falar de um outro livro que nos une tanto. Eu, Tituba, a bruxa negra de Salém, publicado pela Rosa dos Tempos, chegou para mim pelas mãos dessa amiga e irmã que é a Carol ainda em 2020, no auge da pandemia. Rapidamente, se tornou um dos livros favoritos da minha vida. Com ele já demos curso, mediei encontro do Leia Mulheres Goiânia e fui atravessada por completo. Existem tantas questões importantes sobre esse livro que tenho receio de esquecer de alguma delas tamanha euforia. 


 

Tituba existiu, mas a imagem de Salém que fica no imaginário popular é a criada por Arthur Miller, um homem branco e com seus privilégios. Uma construção cheia de estereótipos e que apaga essa mulher importantíssima tanto por ser um imaginário racista quanto machista.

A edição brasileira conta com prefácio de Conceição Evaristo que, por si só, já é uma aula de escrevivência, ubuntu, acolhimento e reparação histórica. Se eu já fui às lágrimas nessas primeiras páginas, imagina como saí desse livro. 

 

 


A história de Tituba se entrelaça com sua autora, Maryse Condé, que inclusive chega a detalhar uma experiência de diálogo e escuta com Tituba, num encontro espiritual pra lá de potente. Se os arquivos da história foram perversos e racistas ao apagar Tituba da memória e do tempo, Maryse lhe devolve a vida por meio da ficção. É um romance histórico, mas livremente preenchido por magia da mais alta qualidade.

Algumas questões importantes são trazidas aqui, como uma linha ancestral para Tituba, cuja origem sempre foi incerta; uma história própria com fala e escuta em que o centro da ação estão na sua boa e em seu corpo em performance; a visibilização de religiões de matrizes africanas em toda sua complexidade. Deslocar Salém de uma visão branca, masculina e caricata para uma representação feminina, negra e verossímil é uma revolução. E, assim, vemos tecidas as hipocrisias do poder, da bruxaria, da perversidade que foi a caça às bruxas ao mesmo tempo em que exalta a grande heroína do epicentro neurálgico que levou milhares de mulheres à morte.

O tempo, em Tituba, é espiralar, no conceito mais profundo e intenso postulado pela professora Leda Martins, da UFMG. Passado, presente e futuro se misturam, se conectam em Tituba de tal forma que nem a morte é capaz de deter sua potência de vida e bruxaria. Aliás, são esses mesmos dois elementos, bruxaria e espiralaridade, que trazem a autora para Maryse Condé. É um livro sobre permanecer, insistir e resistir através dos tempos. Pura poesia.

Maryse é tão magistral que se inclui no texto, na personagem que é a amiga que Tituba encontra na cadeia. É ela quem antecipa noções de feminismo negro para Tituba, que a ajuda a se libertar, é ela quem mostra a Tituba a possibilidade de se conhecer, permitir e experimentar. Tituba e Maryse dialogam, se unem e se transbordam. 

 



Tituba tem ainda uma sabor especial, que foi marcar o retorno do Leia Mulheres Goiânia ao encontro presencial, depois de amargarmos tanto nessa pandemia. Livraria Palavrear cheia, coração quente, olhares atentos, discussão intensa. Teve até a presença do meu filho, Tito, que tinha acabado de completar 1 ano de vida nesse rolê que é só amor. Por isso trouxe para cá as fotos do encontro. O Leia Mulheres é a primavera dos nossos corações e quando fundamos em 2016 nunca imaginamos o tamanho da potência que viria. Nada melhor do que voltar com Tituba, porque o que Tituba une, ninguém separa. 



 

Eu, Tituba, a bruxa negra de Salém é livro para ler com amor, afeto e uma dose de raiva por tudo que nos é sonegado tantas vezes por tradições canônicas preconceituosas e excludentes. Que intensidade! Todos os dias agradecer à Carol e à Cláudia Fusco, da Tintaglia Literatura, pela graça alcançada. 

 

#leiamulheres #leiamulhereslatinas #leiamulherescaribenhas #escritoraslatinas #escritorascaribenhas #literaturalatinoamericana #autoriademulheres #literaturacontemporanea #literaturaguadalupenha #escritorasguadalupenhas #maryseconde #eutituba #editorarosadostempos

 

Sobre a autora:

Maryse Condé é uma autora guadalupense francófona, feminista e ativista. Versátil, escreve contos, romances, poemas, ensaios, e ficções históricas. No Brasil, tem publicado os livros Eu, Tituba, a bruxa negra de Salém; Evangelho do novo mundo; Contos Migrantes e o lançamento O coração que chora e que ri, com pósfácio da amanda Maria Carolina Casati.




Comentários