Ontem ficamos estarrecidos ao ver Brasília ser tomada de assalto por fascistas orquestrados e financiados pedindo intervenção militar no Brasil. A ditadura é um fantasma que assombra a América Latina. Isso porque, diversos países do Cone Sul, do Caribe e da América Central sofreram com elas no século XX, em especial as impostas por militares.
O pânico, terror promoviso pelo estado, a tortura, a coerção, os milhares de mortos e desaparecidos, deixam um legado de dor em países como Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Paraguai, Guatemala, República Dominicana e Nicarágua.
Mulheres sempre estiveram na linha de frente do front de resistência. Um clássico exemplo disso, foram Las Hermanas Mirabal - Pátria, Minerva e María Tereza, conhecidas como Las Mariposas - importantes ativistas da República Dominicana que lutaram contra a ditadura de Trujillo; Las Madres de la Plaza de Mayo, na Argentina, que até hoje reivindicam justiça para seus filhos desaparecidos; e as mulheres do Parido da Esquerda Erótica, na Nicarágua, que brigaram pelos direitos femininos frente a ditadura de Somoza.
No entanto, revolução também se faz pela literatura. Autoras latino-americanas de diversos países têm colocado no risco da caneta suas lutas e angústias usando os períodos ditatoriais seja como pano de fundo, seja como metáfora ou mesmo para denunciar os efeitos nefastos do estado totalitário nas gerações seguintes.
O fato é que elas criticam como estados de exceção provocaram profundos traumas e feridas na sociedade. Dito isto, 4 livros para compreendermos porque é importante estar alerta e não permitir que o horror se repita.
1. Outros Cantos, de Maria Valéria Rezende 🇧🇷
Maria faz uma viagem ao nordeste de volta à cidade em que viveu no período da Ditadura no Brasil. No trajeto, a memória traz para o leitor e para o corpo da personagem as tensões, o medo, a culpa e as amizades que trançou em sua vida. Maria está em trânsito e com ele vem as dialéticas entre desamparo e pertencimento.
É bem bonito como Maria Valéria Rezende pega as mechas do tempo e das lembranças para tornar esse livro tão poético, atual e de certa forma doloroso. É uma personagem que me encanta muito por sua ativa participação política de resistência que se abre por meio da educação popular, um tema que me aquece o coração.
Outros cantos foi vencedor do Jabuti de 2015 na categoria romance e junto com Quarenta Dias são meus livros favoritos da Maria Valéria, cuja história se mistura bastante com a da protagonista. Não é autobiográfico, claro,as traz certamente muito do vivido.
2. Cenário de Guerra, de Andrea Jeftanovic 🇨🇱
A Tamara, de Andrea Jeftanovic, é uma menina que nos conta como é crescer em meio à Ditadura de Pinochet. Sua família está em ruínas, assim como o país e ela precisa aprender a lidar com quase tudo sozinha. Dores, perdas, fraturas descobertas e outras fendas.
Eu juro que se eu pudesse eu pegava a Tamara no colo e trazia pra casa. Aliás, eu vejo um projeto em autoras chilenas que é muito interessante . Impressionante como elas ficionalizam a ditadura por meio de meninas na infância. É assim em Kramp,de María Jose Ferrada, do qual falei aqui, e é assim e Space Invaders, de Nona Fernandes (autora do dezejante Mapocho, ainda não publicado no Brasil). Acho sinceramente que a realidade é tão dura, que talvez seja palatável lê-la pelos olhos de uma criança.
Outra coisa muito interessante é como Tamara constrói sua narrativa. Ela vem ao leitor em atos, ensaios, cenas, como numa peça. Tamara ensaia sobre a própria vida, tenta a todo custo ser protagonista, mas tem pouca escuta, poucos pares, pouca gente que se proponha a dançar com ela. O que é muito triste também.
3. Nossa parte da noite, Mariana Enriquez 🇦🇷
Quando pensei nesse post ia colocar As coisas que perdemos no fogo, mas nesse livro de contos existem muitos outros assuntos. Então escolhi Nossa parte da noite, cuja temática e a narrativa estão mais atreladas ao cenário ditatorial. Aqui vemos a tensão e os efeitos nefastos da ditadura, os desaparecidos e a angústia.
Sempre acho muito potente como Mariana Enriquez consegue falar de temas tão densos com maestría. A autora coloca o terror, a penumbra, o medo, em situações-limite que po si só já causam desespero. Aliás, as latinas têm chamado para si a missão de ditar as regras do gênero do terror, e eu estou de boca aberta com tanta produção incrível que tem chegado pra nós.
Muitos intitulam a Mariana Enriquez como alguém que é da linha do horror cotidiano. De todo jeito, gosto muito da ideia de que o real não dá conta do que precisa ser dito, por isso é urgente ficcionalizá-lo, ou todos nós elouqueceremos tentando elaborar traumas, lutas e outras dores. Então , que seja por meio de borrar os limites, transbordá-los.
4. O país das mulheres , Gioconda Belli 🇳🇮
Quis finalizar esse texto com um pouco de esperanças ou não. O país das mulheres que não fala propriamente da ditadura, mas nasce a partir da experiência de mulheres que lutaram contra elas e sofreram demais em virtude disso. A obra traz a ficcionalização da atuação do Partido da Esquerda Erótica em Fáguas, um país que é uma metáfora Nicaragua.
Como seria se mulheres ascendessem ao poder e criassem uma utopia feminiata? Aconteceria exageros? Quais seriam os pleitos?
Esse é um livro divertidíssimo e sempre muito aclamado, mas que traz em seu corpo discussões pertinentes, pontos de convergência que se fossem pensados nos ajudariam muito e uma ou outra contradiçãodo humano demasiadamente humano. Gosto de pensar como Gioconda Belli se inscreve no texto e mostra um pouco de sua luta.
No Brasil de 2023, ler autoras latino-americanas que tratam da violência e da ditadura é um ato de não aceitar que a história seja negligenciada e vigiar para que ela não se repita. Em tempo: sem anistia com quem atenta contra a democracia.
À exceção de Outros Cantos, todos os outros livros terão resenha em breve. 💜
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